Sergio Moro, Douglas North e a grande Memória Coletiva

“Não raramente quando ando na rua ou em qualquer outro lugar, aquela tapinha nas costas que dizem: ‘olha, seu caso vai mudar o pais’. Não acreditem nisso! O que muda o país são instituições mais sólidas, e não vai ser um caso que vai mudar o pais. ” – Após ser ovacionado ele complementa – “agora esse tipo de caso, ao nos revelar o tamanho do problema pelo menos nos fornece uma oportunidade de mudança”

Esse é um trecho da palestra do juiz Sérgio Moro em um encontro da revista exame. Ao fazer uma rápida varredura pela internet é fácil nos depararmos com o endeusamento da figura do jurista. Fenômeno parecido ao que ocorreu com o ministro Joaquim Barbosa no estopim do mensalão.

De fato, o depoimento do Moro é bastante lúcido ao colocar a responsabilidade no ombro de um gigante que deveria ser preponderantemente eficiente – cumprir sua função – dentro de uma sociedade democrática. Esse é um papo ainda mais preponderante aos observarmos as nações que evoluíram ao longo do tempo – tiveram uma evolução institucional importante.

Douglas C. North e as instituições

A qualidade das instituições é a premissa que Douglas C. North – ganhador do prêmio Nobel de Economia em 1993 – utiliza para argumentar que quando se trDouglass C. Northata do desempenho econômico ao longo do tempo, o que importa são as instituições e não o tempo. Nas palavras de North, “Instituições formam a estrutura de incentivos de uma sociedade e de suas instituições políticas e econômicas, em consequência, são os determinantes preponderantes do desempenho econômico. O tempo por estar relacionado a mudanças sociais e econômicas é a dimensão na qual o processo de aprendizado humano molda a evolução das instituições”.

 

Portanto, a premissa é que como sociedade mantemos uma grande memória coletiva, que na maior parte das vezes, o aprendizado é passado de uma geração para outra por meio de uma variável chamada cultura. É justamente a cultura que molda a qualidade das instituições – sejam formais ou informais – são elas que serão as principais determinantes do desempenho econômico ao longo do tempo. As instituições que determinarão a evolução de uma sociedade e sua tecnologia, assim como o seu bem-estar coletivo.

Mas como tornar as instituições mais eficientes?

“É a interação entre instituições e organizações que molda a evolução institucional de uma economia” 

Apenas a caráter de compreensão, as instituições formais são regras, leis e constituições. As informais são normas de conduta ou convenções. Ambas, de acordo com as restrições que propõem, é o que organiza a estrutura de interação das organizações em uma sociedade. Já as organizações podem ser políticas (partidos, parlamento), econômicas (empresas, cooperativas), sociais (igrejas, clubes), educacionais (escolas, universidades).

De maneira bem simplificada, as instituições são as regras do jogo, e as northorganizações em conjunto com seus empreendedores são os jogadores. É na interação desses dois atores que o jogo do desenvolvimento de uma sociedade, se dá. No caso brasileiro em especifico, é a raiz dos nossos problemas (reveja os artigos sobre mazelas) e a esperança de um futuro melhor.

Portanto, daí vem a importância da pressão e das mudanças sociais (falamos bastante sobre em ‘Brasil e suas Mazelas – Parte 3’). Elas que, ao se manifestarem, promovem mudanças institucionais – preparam o caminho para o tipo de sociedade que querem.

 

Sergio Moro e a operação mãos limpas

Sergio-Moro-BrasileAos 42 anos, o jurista se encontra no funil do tornado chamado ‘operação lava-jato’, com a responsabilidade de uma pais inteiro nas costas. No Brasil, com todas as características patriarcas (descritas em uma série de artigos), temos a necessidade de um alguém para nos proteger do ‘’mal’’ ou nos tirar do abismo. Historicamente buscamos alento em figuras como Vargas, JK ou até mesmo Lula. Mais recentemente em Joaquim Barbosa e Sergio Moro. O fato é que heróis existem como uma figura mítica digna das reflexões de Joseph Campbell, o que precisamos é alterar a nossa estrutura de incentivos – instituições.

A operação ‘mani pulite’ (mãos limpas) foi uma verdadeira caçada contra o111717_story__bpage crime de colarinho branco (corrupção e lavagem de dinheiro) na Itália. Foram 2.993 mandados de prisão expedidos, dos quais 872 eram empresários, 1.978 administradores locais e 483 parlamentares – dos quais foram 4 ex-primeiro ministros. Ao todo 6.059 pessoas foram investigadas.

antonio-di-pietroOs números surpreendem, e apesar de uma série de críticas que recebeu, a operação conseguiu redesenhar o quadro político na Itália – além de mexer com o imaginário popular. Partidos que haviam dominado a vida política Italiana durante todo o pós-guerra, como o Socialista (PSI) e o da Democracia Cristã (DC), foram levados ao colapso, obtendo, na eleição de 1994, somente 2,2% e 11,1% dos votos. Isso no mínimo mexe com a autoestima de uma nação – para melhor, claro.

O fato é que a ‘Lava Jato’, guardada as devidas proporções, representa

Nestor-Cervero-presta-novo-depoimento-na-CPI-da-Petrobras-Foto-Wilson-Dias-Agencia-Brasil201409100006
Nestor Cerveró durante depoimento na CPMI da Petrobras. Foto: Wilson Dias/ Agência Brasil

segundo avaliação do próprio Sergio Moro: “todos os elementos me levam a crer que estamos lidando com um quadro de corrupção sistêmica”. Isso é bem importante. A corrupção esporádica é diferente da corrupção que se arraiga de maneira a manter uma determinada ordem de poder. O segundo representa um forte prejuízo na eficiência econômica – nesse sentido a operação não significará nada, se mudanças profundas sejam realizadas (ciência da corrupção). Ao mesmo tempo, é um verdadeiro desafio desvendar o emaranhado de conexões que se formam no meio de um quadro desse tipo. O Juiz Sergio Moro relata alguns dos pontos que fazem com que a tempestade perfeita ocorra, a final é uma ilusão pensar que um processo dessa importância (pelas figuras envolvidas) e magnitude (quantias envolvidas), possa ser conduzido sem reações dos “Donos do Poder”:

“Segundo Porta e Vannucci, três foram as causas que precipitaram a queda do sistema de corrupção italiano e possibilitaram a operação “mãos limpas”:

a) Uma conjuntura econômica difícil, aliadas aos custos crescentes da corrupção; b) a integração europeia, que abriu os mercados italianos a empresas de outros países europeus, elevando os receios de que os italianos não poderiam, com os custos da corrupção competir em igualdade de condições com seus novos concorrentes; c) a queda do “socialismo real”, que levou à deslegitimação de um sistema político corrupto, fundado na oposição entre regimes democráticos e comunistas. ”

A deslegitimação foi se intensificando à medida que as prisões foram feitas e o sistema desbaratado. Isso fez com que a opinião pública entendesse o acontecimento, e as pressões populares tomaram a frente quando o trem parecia sair dos trilhos, como narra o próprio Moro, “…quando o Parlamento italiano, em abril de 1993, recusou parcialmente autorização para que Bettino Craxi fosse processado criminalmente, houve intensa reação da opinião pública. Um dos protestos populares assumiu ares violentos”.

Claro, que a operação “Lava Jato” por si só, não resolverá nossos problemas. No entanto, sinaliza o fortalecimento de uma instituição importante dentro do estado de direito, isso pode deixar gravado na grande memória coletiva da sociedade, uma marca importante. Que o custo de cometer um crime de corrupção não compensa. Hoje, “o político corrupto, por exemplo, tem vantagens competitivas no mercado político em relação ao honesto, por poder contar com recursos que este não tem. Da mesma forma um ambiente viciado tende a reduzir os custos morais da corrupção, uma vez que o corrupto tende a reduzir os custos morais da corrupção, uma vez que o corrupto costuma enxergar o seu comportamento como um padrão e não a exceção.

Para Sergio Moro, a renovação no magistrado e a imagem positiva que omorozgvnc_file juiz passou a ter perante a sociedade italiana foi fator crucial. Volto a ressaltar o que ressaltei no artigo “Brasil e suas Mazelas – Parte 3”, a ascensão de uma nova geração é importantíssima. Não só porque essa tem ideias diferentes, como também porque uma outra geração está se aposentando, e com ela suas ideias sepultando. Temos não só o exemplo do Juiz, como também do procurador Deltan Dallagnol, diversos movimentos políticos se renovando, a geração startup arrefecendo; e, o mais importante, uma elite política sendo desmistificada.

O fato é que as instituições estão funcionando, não por acaso, mas por uma série de reformas iniciadas pós constituição de 1988. Minha esperança é que no limite, essa operação torne urgente uma série de reformas, como a do judiciário ou  de não mais permitir foro privilegiado para políticos. Talvez mais importante ainda, reformas econômicas que acabem com a raiz do problema, promovam competição e eficiência. Devemos levar de lição da ‘mani pulite’, que a pressão popular fez a diferença na deslegitimação desse esquema. E que no final (se suportarmos) dessa tempestade, alcancemos a solidez institucional a que o Nobel Douglas North aponta como razão do desenvolvimento das nações.

Como o Juiz Sérgio Moro termina sua exposição:

“É sempre mais escuro antes do amanhecer”


Apêndice

 

Fontes adicionais:

Artigos:

Ciência da Corrupção

http://m.folha.uol.com.br/opiniao/2016/01/1726134-o-que-diz-a-ciencia-sobre-corrupcao.shtml

Considerações sobre a Mani Pulite – Sergio Moro

http://jornalggn.com.br/sites/default/files/documentos/art20150102-03.pdf

Douglas north – Nobel Prize Lecture

http://www.nobelprize.org/nobel_prizes/economic-sciences/laureates/1993/north-lecture.html

Douglas North – Institutions

http://www.ppge.ufrgs.br/giacomo/arquivos/econ-crime-old/north-1991.pdf

Videos:

Juiz Sergio Moro – Brazil Summit The Economist https://www.youtube.com/watch?v=hu4AHvMETCw

Juiz Sergio Moro – Palestra Exame

https://www.youtube.com/watch?v=wGbRlcdpowg

Juiz Sergio Moro – Palestra Exame – Perguntas

https://www.youtube.com/watch?v=9t5j4CVI6kw

Douglas North – Why Institutions Matter

https://www.youtube.com/watch?v=sleqhKuq2z0

Douglas North – Effect of Institutions on Markets

https://www.youtube.com/watch?v=A2xhmlpUKd8

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